Estratégias vacinais contra o Covid-19
Sexta-feira, 28 de maio de 2021
Última modificação: Segunda-feira, 31 de maio de 2021
Profa. Dra. Fernanda Badotti
Departamento de Química
CEFET-MG
fbadotti@cefetmg.br
A sequência genética do vírus, divulgada pouco depois do primeiro caso da doença ser notificado, forneceu material para diferentes estratégias de desenvolvimento de vacinas. A utilização de plataformas de alta tecnologia permitiu que a primeira candidata a vacina entrasse em testes clínicos em humanos em meados de março de 2020, numa rapidez sem precedentes.
As vacinas constituem a esperança mais promissora para controlar a pandemia da Covid-19, que já acometeu mais de 166 milhões de pessoas em todo o mundo e matou mais de 3,5 milhões.
O processo de produção de vacinas segue etapas pré-clínicas, realizadas em laboratórios, e que em geral utilizam modelos animais, e ensaios clínicos, realizados em humanos. Estes últimos são divididos em três etapas. Os estudos de fase 1 e 2 visam avaliar a segurança, dose e frequência de administração do imunizante. Os de fase 3 têm como objetivo principal avaliar a eficácia através de ensaios clínicos envolvendo milhares de voluntários. Após a publicação científica dos dados, a vacina candidata é então submetida à avaliação pelas agências reguladoras, para posterior produção e distribuição. Por fim, os estudos de fase 4, ou de pós-licenciamento, estimam os efeitos e eventos adversos após a utilização da vacina em larga escala na população alvo. Cada etapa deste processo dura em média vários meses a anos.
A maioria das vacinas desenvolvidas até o momento para a Covid-19 visa induzir a produção de anticorpos neutralizantes contra as subunidades virais, especialmente a região RBD (do inglês, Domínio de Ligação do Receptor) da proteína mais conservada do vírus, a Spike (S), impedindo assim a captação do vírus pelo receptor ACE2 (do inglês, Enzima Conversora da Angiotensina 2) humano. Várias tecnologias de produção estão sendo avaliadas, incluindo as tradicionais vacinas virais, vacinas de vetores virais, de ácidos nucleicos (DNA e RNA), e vacinas proteicas. A seguir será detalhado um pouco mais sobre essas tecnologias, de acordo com as informações divulgadas pelas empresas produtoras e outros estudos realizados até o momento.

1. Vacinas virais
Butantan / CoronaVac
As vacinas que utilizam vírus inativados, ou seja, vírus cultivados e multiplicados em cultura de células e depois inativados por meio de calor ou tratamento químico, é, historicamente, a tecnologia mais conhecida e utilizada na produção de vacinas. O paciente que recebe a vacina contendo vírus inativado, como é o caso da CoronaVac, começa a gerar os anticorpos necessários no combate da doença. As células que dão início à resposta imune encontram os vírus inativados e os capturam, ativando os linfócitos, células especializadas capazes de combater microrganismos. Os linfócitos produzem anticorpos, que se ligam aos vírus para impedir que eles infectem nossas células. A eficácia geral da CoronaVac é 50,38%, ou seja, os vacinados têm 50,38% menos risco de adoecer e, caso contraiam a doença, a vacina oferece 100% de eficácia para não adoecer gravemente. A vacina foi criada na China pela farmacêutica Sinovac, e no Brasil, a parceria com transferência de tecnologia foi feita com o Instituto Butantan. Os testes para estudos clínicos com a CoronaVac começaram em julho de 2020 em oito estados brasileiros. A aplicação da vacina começou no dia 17 de janeiro de 2021 após aprovação emergencial da Anvisa.

2. Vacinas de vetores virais
Oxford / AstraZeneca / Fiocruz
A vacina foi criada no Reino Unido, resultado de uma parceria entre a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca e utiliza a tecnologia conhecida como vetor viral não replicante. O vetor utilizado é um adenovírus de chimpanzé modificado por engenharia genética, que expressa a proteína Spike (S) do SARS-CoV-2. Após administração da vacina, a proteína é produzida e detectada pelo sistema imune, que produz anticorpos que irão combater a infecção causada pelo coronavírus. No Brasil, a vacina teve seu registro aprovado pela Anvisa no dia no dia 12 de março deste ano, e está sendo produzida pela Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz.
Janssen
O laboratório americano Johnson & Johnson também está testando uma vacina baseada em vetores de adenovírus. O processo utilizado para produzir essa vacina é muito semelhante ao anterior, e baseia-se também no conhecimento do material genético do Sars-CoV-2, ou seja, um fragmento específico da proteína S é inserido no adenovírus. Quando a pessoa recebe a vacina composta do adenovírus não replicante que carrega a informação genética do coronavírus, o corpo inicia o processo de defesa e produz anticorpos contra aquele invasor.
Diferente das outras vacinas, entretanto, a Janssen precisa apenas de uma dose única, e sua eficácia global foi anunciada em janeiro deste ano como sendo de 66%. No dia 19 de março, o governo brasileiro assinou contrato de compra de 38 milhões de doses, mas ainda sem data de entrega.
Sputnik V / Instituto Gamaleya
A Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia, é também uma vacina de vetor viral. A diferença é que a Sputnik V usa adenovírus diferentes na primeira e segunda doses, o que poderia reforçar a resposta imunológica.
Segundo uma análise de testes clínicos publicada pelo periódico The Lancet, e validada por especialistas independentes, a vacina tem eficácia de 91,6% contra a Covid-19 em suas manifestações sintomáticas. No Brasil, a farmacêutica União Química protocolou um pedido de uso emergencial da Sputnik V na Anvisa em 26 de março. Ela já é administrada na Rússia e em outros países, como Argentina e Argélia.

3. Vacinas de RNA mensageiro
As vacinas de RNA mensageiro têm demonstrado, em geral, um excelente perfil de segurança e boas respostas imunes celular e humoral. Tem a vantagem de serem produzidas em maior escala, por se tratar de produtos sintéticos, e a desvantagem de serem produtos que requerem conservação em congelamento.
Pfizer / BioNTech
Os imunizantes são criados a partir da replicação de sequências de RNA por meio de engenharia genética, o que torna o processo mais barato e mais rápido. O RNA mensageiro mimetiza a proteína S, porém, a cópia genética utilizada não é nociva como a do vírus, mas suficiente para desencadear uma reação das células do sistema imunológico. O imunizante da Pfizer precisa ser estocado a -75°C, um dos grandes desafios para a distribuição.
De acordo com a farmacêutica Pfizer, e com base nos resultados obtidos na terceira fase de testes, a vacina é segura e tem 95% de eficácia. No Brasil, o imunizante teve o registro definitivo aprovado pela Anvisa no dia 23 de fevereiro de 2021.
Moderna / NIH
O laboratório americano Moderna, em parceira com o Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH), iniciou o teste clínico de sua vacina baseada em RNA mensageiro (mRNA-1273) apenas dois meses após a identificação da sequência do vírus e publicou em julho de 2020 seu estudo de fase 1/2 em voluntários humanos.
A vacina, que codifica a proteína S estabilizada, resultou em produção de grande quantidade de anticorpos neutralizantes em todos os participantes estudados, detectados por dois métodos diferentes, e com valores semelhantes aos de amostras de soro de pacientes convalescentes. Diferente das vacinas citadas anteriormente, a Moderna não realizou testes no Brasil, que segue sem nenhum acordo com a farmacêutica. A vacina da Moderna deve ser armazenada a -20°C, e já foi aprovada e vem sendo utilizada na União Europeia, nos Estados Unidos e em outros países.

4. Vacinas Proteicas
A tecnologia clássica de se utilizar proteínas virais na elaboração de vacinas também vem sendo testada para a Covid-19, e algumas já alcançaram testes de fases clínicas.
Em uma colaboração inédita, dois dos maiores produtores de vacinas do mundo, os laboratórios Sanofi Pasteur (França) e o GlaxoSmithKline (GSK Reino Unido), unem forças para a produção de uma vacina de unidade proteica, cujos estudos de fase 1 e 2 iniciaram em setembro de 2020.

Considerações finais
Embora a urgência por vacinas em uma situação pandêmica seja indiscutível, estudos de segurança e eficácia são fundamentais, especialmente quando tecnologias de produção nunca utilizadas estão envolvidas. A comunicação adequada com a população, informando os reais benefícios de uma vacina e suas limitações, é muito importantes para que a confiança nos imunizantes seja mantida.
São muitos os desafios científicos, éticos e políticos a serem superados. Entretanto, podemos ter certeza de que os esforços envolvendo a produção e distribuição das novas vacinas são sem precedentes na história da humidade.

Referências utilizadas e sugeridas
Lima, E. J. D. F.; Almeida, A. M., & Kfouri, R. D. Á. Vacinas para COVID-19-o estado da arte. Rev Bras Saúde Materno Infantil. 21: 13-19, 2021.
Mukherjee, R. Global efforts on vaccines for COVID-19: Since, sooner or later, we all will catch the coronavirus. J Biosci. 45 (1): 68, 2020.
UOL. Vacinas contra a Covid-19: entenda as diferenças entre 5 delas. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/02/03/vacinas-contra-covid-19-entenda-a-diferenca-entre-elas.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 25 maio 2021.
WHO. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. Disponível em: https://covid19.who.int/. Acesso em: 25 maio 2021.
WIKIPEDIA. Template: COVID-19 pandemic data. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Template:COVID-19_pandemic_data. Acesso em: 25 maio 2021.
Yamey, G.; Schäferhoff, M.; Hatchett, R.; Pate, M.; Zhao, F.; McDade, K. K. Ensuring global access to COVID-19 vaccines. Lancet. 395 (10234): 1405-6, 2020.